O desafio de modelar a realidade
Há quarenta anos atrás, num dos muitos testes de matemática que fiz no Instituto Superior Técnico, foi exigido aos alunos resolver uma equação diferencial que descrevia o crescimento das asas de uma mosca. Na altura o desafio foi classificado como mais uma loucura do professor responsável pela cadeira de Cálculo Diferencial e Integral, causando a indignação de muitos que não perceberam o que a mosca estava ali a fazer. A equação até foi fácil de resolver quando os alunos descobriram que a mosca foi colocada ali apenas para disfarçar e complicar o que era relativamente fácil de solucionar.
Nos dias de hoje utilizamos grandes computadores para modelar as superfícies terrestres, recorrendo a grandes matrizes numéricas. As matrizes representam os DEM-Modelos de Elevação Digital ou os DTSM-Modelos Digitais de Declives, que depois de moldados por fórmulas integrais ou diferenciais, permitem-nos quantificar as anomalias geradas pelos efeitos das muitas variáveis meteorológicas.
Os problemas dos cálculos em superfícies geográficas não são apenas os das anomalias entrópicas mas também os da dinâmica da superfície terrestre. No caso de uma aluvião ou inundação, é fácil de perceber que basta que, num dos pontos que constituem os milhões da matriz numérica, exista uma árvore caída, ou uma construção humana para alterar radicalmente o percurso a jusante dos cursos de água, ou seja, qualquer pequena modificação das condições iniciais podem originar resultados inesperados.
A resolução do modelo, isto é, a área de cada célula da matriz, dita a complexidade e a velocidade que se pode exigir de um computador para apresentar resultados em tempo útil porque, quanto maior for a resolução da superfície, menores serão os erros mas maior será a quantidade de números a calcular.
Se adicionarmos ao necessário e infindável cálculo numérico, o facto de que os fenómenos não serem descritíveis por uma qualquer equação linear, então a solução que se persegue fica ainda mais complexa de obter, com erros e desvios que são muitas vezes 100 vezes superiores aos resultados obtidos. Com a limitação atual dos computadores, o maior desafio para a engenharia é transformar as equações diferenciais em funções lineares que permitam obter resultados em tempo útil muito próximos da realidade.
Seja qual for a fórmula mágica encontrada, nenhuma solução numérica, que descreva este tipo de fenómenos, deve ser implementada sem a devida calibração. A calibração mais simples deve ser efetuada estatisticamente recorrendo a uma série de amostras reais de uma sucessão de pontos aleatórios.
Claro que é muito mais fácil qualificar e descrever os fenómenos extremos recorrendo a prosas poéticas, que até originam estudos fabulosos com resultados fantásticos, sem sequer utilizar uma unica conta de somar. Cada um vende o peixe que consegue pescar.
Mesmo com a impossibilidade de descrever matematicamente os fenómenos sobre a superfície terrestre, tenho a certeza que não vai ser necessário esperar muitos anos para que a tecnologia computacional permita obter resultados fidedignos em células tão minúsculas como os átomos.
Nos dias de hoje já existem computadores capazes de processar mais de 150 mil TFLOPS (Tera floating point operations per second), ou seja, conseguem efetuar mais 150 mil trilhões de operações matemáticas por segundo. E por tudo isto estou convencido que um dia vai ser possível simular o crescimento milimétrico de uma árvore ou a erosão nanométrica do solo, em menos de um estalar de dedos.
Entretanto, com todos estes cenários futuristas, começo a sentir saudades da mosca do IST.