45 minutos para o Lumiar

Cristina Neves sem nexo
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Estávamos em 1987. Há duas horas que eu e o “Mosca” jogávamos matraquilhos numa tasca que existia numa das muitas transversais da Av. João XXI.

Nunca dei ” uma para caixa” nos matraquilhos e isso deliciava o “Mosca”. Ele sempre foi Benfiquista, e eu – como Sportinguista – já estava habituado a perder, além do mais, isso fazia-o feliz. Depois de perder vários jogos seguidos, olhei para o relógio, e lembrei-me de repente que a Cristina estava à minha espera num café do Lumiar há mais de 45 minutos.

Merda!

E em 1987 não havia telemóveis que nos permitisse arranjar uma desculpa atempada. Saí a correr e disse-lhe para ficar com o resto das minhas moedas. Corri para a Av. de Roma, passei pelo cinema Roma, e como a sorte protege os audazes, estava mesmo a passar o Sete para Odivelas. Que sorte!

Nunca percebi os Lisboetas. Conseguem-se encafuar nos autocarros como sardinhas em lata. A custo, mostrei o passe ao motorista e lá fui eu, entalado entre a porta entreaberta e um sovaco transpirado. Pela conversa dos outros enlatados apercebi-me que era dia de greve em Lisboa, o que explicava a sobrelotação do autocarro. Enquanto atravessávamos o viaduto sobre a Av. Estados Unidos comecei a pensar se o cheiro libertado pelo sovaco teria algo a ver com feromonas e, a custo, consegui colocar a boca virada para a porta. Ar puro!

Passamos pela praça de Alvalade, viramos na Av. Brasil, e dei por mim a divagar, se o Hospital Júlio de Matos seria um lugar calmo para se viver ou se era mesmo verdade que a terapia incluía choques elétricos. Que se lixem os loucos, a minha preocupação maior era a Cristina.

Merda… como é que me tinha esquecido dela? Já tinha passado 15 minutos e ainda estávamos no Campo Grande. Mais dez minutos de aflição, e lá consegui sair na paragem do Lumiar, isto é, duas horas depois do combinado. Corri o quarteirão e entrei no café já cansado – e lembro-me como se fosse hoje – lá estava ela, com cara de poucos amigos acompanhada de duas chávenas de bica vazias sobre mesa.

Mau! Isto promete… Sentei-me a arfar e, com o ar mais inocente deste mundo, disse-lhe que estava cansado porque tinha vindo a pé por causa da greve nos transportes. Tinha atravessado a Av. João XXI, a Av. Roma, a Av. Brasil e os dois quilómetros do Campo Grande, e ainda quase todo o Lumiar até ali. A expressão dela mudou e fez um ar de querida e de peninha, pois nem se tinha lembrado que havia greve de transportes. Namoramos toda a tarde num dos bancos de um jardim que ficava atrás do Liceu do Lumiar.

Ao anoitecer deixei-a no autocarro e tomei outro de volta, e pelo caminho pensei nas moedas que o “Mosca” me tinha palmado. Sacana!