O idiota criativo

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Desde que me conheço que sou um apaixonado pela Arte e pela Tecnologia e como a arte é um dom restrito a algumas mentes brilhantes optei pela eletrónica por ser menos exigente. Durante toda a minha vida investi e deitei muito dinheiro ao lixo no meu hobby da eletrónica mas isso vale bem os pequenos momentos de vitória ou de frustração.

Medir variáveis entrópicas é do mais complexo que existe e as variáveis meteorológicas são um bom exemplo disso.  Os MRR (Micro Rain Radars) são um exemplo de uma tecnologia emergente da medição da intensidade da chuva que se baseia no chamado efeito doppler descoberto por Christian Doppler em 1842, ou seja, é algo tão velho como a Célula de Combustível que, quase 200 anos depois, tarda em ter os seus efeitos práticos.

Os MRR atuais funcionam na Banda K, mais precisamente nos 24.1 GHz em FM-CW e utilizam o efeito Doppler para medir a velocidade e consequentemente a dimensão das gotas de chuva que caiem do céu. O problema é que, o que parece ser simples, não o é! A distribuição  e a dimensão das gotas sofrem mutações mecânicas e físicas durante todo o seu trajeto o que torna dinâmico todo o processo de medição. Para ter uma medição correta utiliza-se algoritmos numéricos que permitem obter perfis DSD (Drop Size Distribution) e tudo isto seria demasiado fácil, se as gotas da chuva não sofressem alterações físicas durante o seu percurso. Para que se saiba nesta tecnologia de medição, o fenómeno mais crítico e contraproducente é o facto da existência de ventos verticais poderem alterar a velocidade e a forma das gotas originando um erro de cálculo estatisticamente  imprevisível.

O problema não parece ter uma solução fácil mas a ideia de se conseguir medir os ventos ascendentes com um radar e podermos obter uma correlação é promissora. Entusiasmado com a ideia  desci à garagem e, no meio do meu lixo eletrónico, encontrei uma STK128+, uma velha board com um processador ATmega128 (TQFP64) que usei em alguns dos meus projetos eletrónicos. Como a minhas Boards de Arduíno não tinham as IO suficientes para as  necessidades do projeto decidi em alternativa utilizar a STK para executar o sistema de controlo, medição e o necessário algoritmo, limitado pela memória do microcontrolador. Com algum tempo disponível dediquei-me umas semanas a pesquisar algumas rotinas em C++ de alguns projetos antigos que tinham ficado na gaveta e lá consegui converter um Integral complexo num somatório simples. Podemos ser o melhor programador de computadores do mundo mas o tipo de abordagem que se faz para resolver um problema é o segredo para encontrar a melhor solução em qualquer projeto tecnológico.

Como tinha  uma parabólica de 70cm da Keps do meu hobby de radioamador e uma offset enferrujada da NOS  usei-as para executar esta ideia. Para completar o projeto recorri a  dois transcetores  FM-CW da RFBeam e  algumas semanas depois consegui montar uma solução com apenas 1 mW (*). O objetivo era estimar a componente vertical do vento a partir de algumas fórmulas matemáticas conhecidas  dos WRWP (Weather Radar Wind Profiles)  e  correlaciona-las com a velocidade das gotas do outro emissor. Não existem milagres em tecnologia e por isso os resultados ainda estão a ser aferidos , mas as primeiras impressões são muito animadoras.

Nas minhas memórias ficará para sempre o dia em que alguém cometeu um erro ao afirmar “és tecnicamente muito bom mas és um baldas”. Para que conste, louvar-me não me inflaciona o ego, mas apelidar-me de “baldas” ofendeu-me fatalmente. Como ter fama e não ter o proveito é injusto para qualquer mortal, a partir desse dia decidi ser minimalista, isto é, decidi deixar de ser o único idiota criativo e limitei-me a dar  oportunidades a outros.

 

(*) Os meus agradecimentos ao representante espanhol por me ter cedido gratuitamente dois amplificadores  ERZIA ERZ-HPA-1500-2700-29 18-26.5 GHz de 29dBm.