Os Anacronismos de Asterix

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Desde miúdo que sou leitor assíduo de Asterix, e mesmo 50 anos depois, e para espanto de muitos, continuo a ler Banda Desenhada.

O meu pai, com o pouco dinheiro que tinha, não se poupava a esforços para me comprar livros. Desde a coleção das Aventuras dos cinco da Enid Blyton, a livros das Seleções Reader’s Digest encomendados por carta pelo correio (não, não havia internet), até à famosa revista do Tintin que eu devorava semanalmente.

Embora goste de ler livros lá de vez em quando, considero que a literatura torna-se enfadonha porque, ao contrário da Banda Desenhada, requer uma maior concentração, isto é, enquanto a literatura descreve o ambiente envolvente de uma história, a Banda Desenha limita-se simplesmente a desenha-la. Por exemplo, para descrever toda a Aldeia Gaulesa em literatura seriam necessárias 10 ou 20 páginas, e em Banda Desenhada basta um quadradinho para se saber que o Bardo Assurancetourix tem uma casa em cima de uma árvore, que Ordralfabetix vende peixe estragado, e que a Pedreira de Obelix é no interior da Aldeia.

E é por tudo isto que lá de vez em quando,  e antes de me trancar na Casa de Banho, vou à estante e retiro uma Banda Desenhada.

Desta vez foi “A Odisseia de Asterix” publicado em 1981, um pouco depois da morte de René Goscinny. Com a morte de Goscinny, Asterix e Lucky Luke perderam o seu principal argumentista  e muitos julgavam que seria o fim das aventuras destes dois ícones da Banda Desenhada, mas não.

A piada de ler boa Banda Desenhada é que cada vez que se relê descobre-se sempre algo de novo. Já tinha lido e relido “A Odisseia de Asterix” pelo que pensei que já não haveria nada de novo. A história começa com uma simples tira que descreve, com alguma violência, a Cadeia Alimentar. A imagem é uma descrição selvagem onde as Presas fogem dos Predadores, mas a minha atenção desta vez focou-se num pequeno pormenor. O pormenor era uma Coruja no canto inferior direito do quadradinho a abandonar o seu ninho com os seus três filhotes porque a árvore onde viviam estava a ser destruída.

Esta coruja parece não ter nada a ver com a história, mas estranhamente aparece outra vez na 3ª tira da mesma página a passar a estrada a meio de um diálogo entre  javalis. A história continua, e apenas na página 5 é que a coruja e os filhotes voltam a aparecer, e segundo parece, a caminho da Aldeia Gaulesa.

Banda Desenhada no seu melhor

Entretanto a coruja volta a desaparecer da história, e a aventura prossegue com Asterix e Obelix no Médio Oriente a meio de judeus e de árabes à procura de petróleo.

E não é que depois de 44 páginas de uma história hilariante, e para meu regozijo, a coruja volta a aparecer  no habitual banquete final, mais precisamente no canto direito e na árvore onde Assurancetourix está amarrado?   E a questão que imediatamente se coloca  ao leitor mais distraído é o que é que esta coruja esteve a fazer este tempo todo?  Porque é que ela demorou tanto tempo a encontrar um novo ninho? Ou foi uma falha anacrónica, ou é humor no seu melhor do novo argumentista de Asterix.

O resultado disto tudo? Risos e gargalhadas na Casa de Banho, até que a Cristina gritou do quarto:

– Há alguma festa aí dentro?

Os anacronismos de Asterix