O presente de Natal
Nem sempre os presentes mais caros são os mais apreciados. Desta vez a Cristina esmerou-se e, entre muitos outros presentes, lembrou-se de me oferecer no Natal o último número de Asterix. Os lambisgoias dos meus amigos já devem estar na galhofa a tentar perceber porque é que um velho de 59 anos ainda lê Asterix. Então a Banda Desenhada não é para os jovens dos 7 aos 77 anos? Sendo assim ainda me faltam 18 anos para me sentir envergonhado. Para que saibam sempre fui um entusiasta da Banda Desenhada e Asterix, a par de Lucky Luke, foram os meus primeiros heróis de infância.
Depois do desaparecimento de René Goscinny em 1977 fui um dos muitos devoradores de Asterix que ficou convencido que, sem o seu argumentista Goscinny, Asterix morreria. No entanto Uderzo, o desenhador de Asterix, foi muito inteligente e, antes de desaparecer em 2020, construiu uma equipa que continuou o legado de Asterix.
“Asterix e os Grifos” é uma paródia muito inteligente e muito bem contruída. A história passa-se na Sarmácia asiática, onde uma sociedade matriarca de mulheres guerreiras, a quem os gregos apelidaram de amazonas, combatia a invasão romana.
A história começa com a pretensão de Júlio César em possuir o Grifo, um animal mítico e sagrado para as Sármatas. Para o efeito, Júlio Cesar decidiu utilizar os conhecimentos de um geografo chamado “Desonrientadus” para acompanhar uma expedição comandada pelo centurião “Taliqualus” e um caçador de animais chamado “Suprassumus”.
E já pelos nomes das personagens adivinha-se o humor da aventura. “Desonrientadus” não é mais que uma caricatura de Michel Houellebecq, um odiado escritor francês autor do polémico “Partículas Elementares” e, por último, de “Submissão”, em que o autor imagina a França governada por um presidente muçulmano.
Polémicas à parte, na ansia de capturar o Grifo, os romanos fazem refém “Kalachnikovna” (alusão à famosa metralhadora soviética), uma amazona loura, que tanto tem de bela como de arrogante, provocando a paixão de toda a legião romana.
E quem pensava que os nomes das personagens ficava por aqui, enganou-se. No meio da história aparece um legionário romano de nome “Feikenius” (Fake-News) que curiosamente é o único que diz as verdades mais elementares. Se juntarmos a “Feikenius”, os nomes de “Levoussumissus”, “Jafostus”,”Tasfeitus”, “Caiuproladus” e “Adeusinhus” aos romanos que desapareceram no rio gelado então temos a coleção completa de nomes muito sugestivos. Outras alusões humorísticas muito bem conseguidas referem-se às entregas grátis do site Amazon contestada por uma das amazonas e os dois guias do povo Cita, donos de citações pragmáticas fora de contexto.
E as surpresas não param por aqui, quando surge apenas num quadradinho, Charles Aznavour no barco dos piratas cantando “les comediens” , completamente alheio ao enredo da história.
No fim descobre-se que o Grifo afinal não existe e que o geografo “Desonrientadus” aceitou a missão porque sabia que havia ouro na Sarmácia e que podia ficar rico para deixar a vida miserável de cientista. Quanto a Obelix, consegue escapar a uma paixão de uma Sármata ruiva completamente fascinada pela força deste. E mesmo sem uma gota de poção mágica, a história termina com o famoso banquete sem esquecer o bardo Assurancetourix amarrado a uma árvore.
Digamos que Jean-Yves Ferri, o novo argumentista de Asterix, é um digno substituto de René Goscinny.
Obrigado Cristina pelo presente e já podes tirar o “Asterix e o Grifo” da casa de banho porque já li e reli mais de dez vezes.