Pecados de um Casamento

Cristina e Carlos sem nexo
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Convencer alguém moderado e ateu por convicção a casar-se na igreja não é tarefa fácil, mas como não se deve contrariar os doidos e as mães – e porque a festa incluía bolo – aceitei casar.

Confessar-se e comungar não fazia parte do acordo inicial, mas como a minha mãe insistia, dirigimo-nos a uma igreja numa bela tarde de Fevereiro de 1990.

Entramos. A Cristina dirigiu-se ao Confessionário e eu fiquei a aguardar a minha vez. Os bancos de madeira das igrejas são frios e duros e nunca percebi porque não os substituíam por sofás confortáveis que permitissem aos fiéis escutar os sermões comodamente.

De repente, e enquanto olhava para as belas imagens do teto, lembrei-me que não sabia nenhuma das orações que tinha aprendido na catequese e comecei a ficar nervoso. Tinha tido catequese na Calçada de Santa Clara mas baldava-me para assistir às matinés do Cinema João Jardim que ficava a caminho. Trocar o Tarzan e a divertida chita pela chata da catequista não era sequer negociável para um miúdo de 6 anos.

Voltei ao presente quando a Cristina saiu. Vinha com um ar solene e sério, e indicou-me com a cabeça que era a minha vez. Levantei-me e dirigi-me ao cubículo. Tinha uma cortina de veludo vermelho que afastei e surpreendentemente verifiquei que não tinha banco pelo que a única hipótese era ficar de joelhos.

Por uns furos consegui vislumbrar uma careca de perfil que com uns gestos impercetíveis sussurrou: – Porque vens cá meu filho?

Vou-me casar e a minha mãe pediu-me para vir…

Diz-me meu filho quais são os teus pecados?

Parei para pensar uns segundos em toda a minha vida e afirmei que não me lembrava de nenhum. Fez-se silencio e roçando a mão na testa murmurou – Nunca mentistes?… nunca traístes?

Respondi que não. E ele continuou – tens vindo à missa?

-Sinceramente não me lembro da última vez que fui a uma missa…

De súbito suspirou e replicou – e não sabes que não frequentar a casa de Deus é pecado?

Não, não sabia. – mas se Deus está em todo o lado porque é que tenho de vir à casa dele?

De repente a careca moveu-se, voltou-se para mim, e num tom mais alto retorquiu – Um bom cristão frequenta a casa de Deus e ignorar isso é pecado!

-Pecado? – Respondi irritado – E fechar os olhos ao extermino dos judeus na 2ª guerra é o quê? E as atrocidades da Inquisição na idade média?

E durante largos momentos trocamos argumentos. O que ele não sabia é que o facto de ter faltado à catequese e de não ir à missa não me impedia de saber muito sobre História, sobre a Bíblia e de ter uma paixão natural pela teologia.

Por fim desgastado com os meus argumentos rendeu-se e afirmou que não me podia absolver por eu ser uma alma revoltada.

Despedi-me educadamente e saí.

Tinham passado mais de 40 minutos e a Cristina esperava-me estupefacta.

– Tinhas assim tantos pecados?

Beijei-a e respondi que o padre tinha mais.

E foi assim que, em pecado, casei a 3 de Março de 1990 com a certeza que alguém lá em cima deu-me razão e perdoou-me.