Conversas Secretas com o Pai Natal

Pai Natal sem nexo
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Tínhamos combinado nesse ano distribuir presentes de natal na Fundação Mário Miguel,  uma IPSS no Porto Moniz. Enquanto aguardávamos pelo fim da atuação do grupo folclórico para entregarmos os presentes  eis que surgem dois pimpolhos (os dois da foto com a Cristina).

Envergonhados e de mão dada pararam a escassos metros de mim  que estava vestido de Pai Natal. O mais novo mordia uma chucha enquanto o mais velho empurrava-o para a frente. De início ignorei-os propositadamente enquanto divertia-me com o monólogo entre eles: –É sim o Pai Natal!…. pede-lhe!

O mais velho insistia muito  enquanto o outro apenas sorria. –pede-lhe um skate! – continuava a insistir o mais velho ao ouvido do outro, impondo a sua vontade.

Este quando crescer vai ser político de certeza. As crianças são mesmo ingénuas, basta um idiota qualquer colocar um gorro vermelho e uma barba de algodão e pensam logo que somos o Pai Natal.

Vamos ver no que isto vai dar.

Demonstrando alguma surpresa fiz um gesto com a mão e pedi-lhes para se aproximarem. – Olá… que querem os meninos?

Pede-lhe… pede-lhe…  – e o mais novo tirou a chucha, e com a voz trémula sussurrou – um skate…

Um skate? Agora? Não é um pouco tarde para encomendar? O Natal é já daqui a dois dias! E já agora… vocês portaram-se bem o ano todo?

Abanaram que sim com a cabeça e o mais velho acrescentou – … vamos à missa no dia 24 e à noite vamos comer frango assado…

Missa? Frango? Aí está algo que não lembra nem ao Pai Natal. Vai ser político de certeza… a missa perdoa todos os pecados e o frango assado a fome de um ano.

Deixem-me ver no saco…. Abri o saco vermelho das prendas – que apenas tinha meias e cachecóis para os velhotes do Lar- e fingi que procurava o que eles queriam.

Abanei ao ouvido um dos embrulhos, e para me safar, com um ar desanimado disse-lhe que era apenas um skate pequenino, partido, e com apenas três rodas – não querem um com três rodas?

O mais velho disse logo que não – Além de politico, exigente!

-Reparem que podem sempre ficar com o de três rodas e para o ano trago-lhes a roda suplente.

Sem conseguir convence-los e vendo o ar desanimado dos dois disse-lhes que era melhor esperarem par o ano seguinte. Porque mesmo se eu encomendasse agora um skate da china, as renas só chegavam daqui a um mês, e se calhar ainda ficava retido na alfandega, e que depois ainda iria ser sujeito à taxa do IVA, e de cinco por cento de imposto, ou seja, com muita sorte lá para o verão tinham o skate com quatro rodas…

Entretanto a Cristina pedia-me com os olhos que parasse com a tortura…

De repente olhei para o mais novo que, com os olhos inundados de lágrimas, soluçou: -És mesmo o Pai Natal?

A situação ficou insustentável. De repente lembrei-me do meu Pai Natal recentemente falecido e com uma desculpa saí dali.

Um Pai Natal não chora!