A prostituta

A prostituta
41

Em miúdo costumávamos jantar sempre todos juntos e em família. E durante o jantar, e quando os meus pais não queriam que eu percebesse a conversa de adultos falavam entre dentes e quase sempre em código.

Lembro-me de um dia em que o meu pai chegou mais tarde e já vinha com uns copos. Ele frequentava uma tasca chamada “Linda” na Rua Ponte São Lázaro com alguns amigos polícias, e naquele dia ele trazia novidades.

O que os meus pais não sabiam é que por mais que se esforçassem, eu percebia sempre a conversa. E nessa noite, e pelo que percebi, um tal senhor Salazar tinha dado ordem à Polícia para rapar a cabeça a qualquer prostituta que fosse encontrada à noite na rua, e depois o meu pai acrescentou a rir, que agora  elas  iam andar de véu na rua.

Lembro-me da minha mãe responder que era bem feito, e apenas mais tarde, percebi que naquele tempo as culpadas dos adultérios  eram sempre as prostitutas. A minha mãe dizia que as prostitutas eram mulheres muito más que se pintavam e se perfumavam muito para enganar os homens.

Alguns dias passaram, e o sábado era o dia de passeio em família. Os meus pais não tinham carro, porque naquele tempo só os ricos e os mecânicos de automóveis é que tinham carro, e por isso os nossos passeios eram  quase sempre a pé.

Aos sábados descíamos todos de mão dada a rua da Carreira para ir ver as montras à rua Fernão de Ornelas. Na altura não percebia porquê, mas para azar meu, as lojas estavam sempre fechadas. E quando eu via um brinquedo o meu pai dizia-me sempre que vínhamos outro dia quando a loja estivesse aberta.

Para que se saiba, em criança, tinha – e ainda tenho – um problema de dicção e dislexia na fala, e com seis anos, as palavras como “frigorífico”, “frigideira” e “prostituta” eram quase impossíveis de saírem bem.

Nesse dia, e já em frente ao Cinema João Jardim, passou por nós uma senhora alta, muito bonita, com uns lábios vermelhos, e trazia um véu negro sobre a cabeça. Quando passou perto de mim inspirei o seu perfume inebriante, puxei pela mão da minha mãe, e gritei:

– Mãe… olha uma “pustrituta”!

A senhora parou. O meu pai não sabia onde se meter. A minha mãe, corada, puxou-me violentamente pelo braço e gritou que isso não se dizia porque era feio e pediu desculpas à senhora. A senhora olhou para mim a sorrir, fez-me uma festa na cabeça, olhou para a minha mãe e disse:

Não faz mal…são crianças – e afastou-se.