Posso tratar-te por tu?

Tratar por tu 100 nexo
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O meu pai tratava-me por tu, mas sempre tratei o meu pai na terceira pessoa ou simplesmente por “pai”, e  naqueles tempos significava respeito. Os tempos mudaram e agora aceito que o meu filho me trate por “tu”. Sei que para ele o facto de me tratar por “tu” não significa desrespeito, e que fá-lo simplesmente por habituação linguística e porque o “tu” agora faz parte do vocabulário desta nova geração.

Se entre família e amigos é comum tratar-nos por “tu”, quer pelo tempo que passamos juntos, quer pela intimidade e pela cumplicidade que partilhamos na vida, a nível profissional nunca me dei bem com o tratar por “tu” porque considero que o “tu” é intimista e significa uma aproximação íntima e autorizada entre duas pessoas.

Na minha vida profissional sempre tratei todas as pessoas pelo nome, e sempre na terceira pessoa. Chamem-me os nomes que quiserem, mas considero que tratar um superior hierárquico por “tu” é irreverência, mas pior mesmo, é um superior hierárquico tratar os seus subalternos por “tu”, isso sim, é descortesia, e no limite, é desconsideração pela pessoa com quem trabalhamos.

Os defensores do “tu” alegam que na língua inglesa tratamos todos por “you”, mas esquecem-se que a tradução do “you” tem dois sentidos e é utilizado no inglês sempre com os sentidos diferentes. Outros alegam que é mais democrata tratar-se por “tu” entre profissionais porque alimenta e reforça o espírito laboral. O que fica melhor para um chefe? “tu vai limpar a retrete!” ou “não se importa de limpar o WC?”

Quando alguém com quem trabalhamos nos diz logo para nos tratarmos por “tu”, pode significar duas coisas, ou que quer dar uma ideia de cumplicidade, ou que não tem competências, e utiliza por isso uma falsa familiaridade para conseguir os seus objetivos.

Mas mais perigoso mesmo é quando alguém que acabamos de conhecer na rua começa logo a tratar-nos por “tu” como se fossemos amigos de longa data. Das duas uma, ou quer nos enganar, ou nos quer enganar.

No outro dia a Cristina – que tem fama de ferver em pouca água – passou-se completamente numa loja de roupa  porque a empregada, e depois de alguns minutos a mostrar-lhe algumas peças, começou a tratar-lhe por “tu”, e como a bem conheço, não foi preciso esperar muito tempo para ouvi-lha dizer: “Olhe, sabe que tenho idade para ser sua mãe, por isso agradeço que não me trate por tu”.

Desatei a rir, e para a coisa não descambar, peguei-lhe pelo braço, e saímos da loja.