O Bacalhau à Lagareiro e o Sexo

Bacalhau e sexo sem nexo
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Por recomendação de um familiar tínhamos convidado um casal de emigrantes supostamente podres de ricos para almoçar lá em casa. Normalmente nestas ocasiões sou o cozinheiro da casa, e para não correr riscos, opto por confecionar o mais simples porque funciona sempre.

A escolha recaiu no Bacalhau à Lagareiro acompanhado por umas batatas a murro, tudo regado com um bom azeite e muito alho. O Francisco, na altura com onze anos, escapava sempre aos almoços chatos, almoçava bife e batatas fritas, e fugia para a internet do seu quarto para conversar com os amigos no IRC.

Logo que começamos a almoçar recebi imediatamente os melhores elogios dos convidados no que toca aos meus dotes culinários, e foi a meio de uma amena e banal conversa sobre as técnicas de demolhar o bacalhau em leite, que o Francisco surgiu nas escadas e perguntou com um ar aflito:

-Mãeeeeee … o que é o sexo oral?

A pergunta caiu na mesa como uma bomba. O velhote parecia ter sido acometido de paralisia cerebral súbita. A velhota, muito concentrada, fingia que procurava espinhas no bacalhau.

Eu ia responder que era a melhor coisa do mundo, mas a Cristina – hábil em sair de situações semelhantes – esboçou um sorriso e respondeu que era quando se falava de sexo nos chats da internet com as amigas mas que depois explicava-lhe melhor.

E foi com o ar mais satisfeito do mundo que o Francisco regressou ao computador do seu quarto.

O velhote esboçou um suspiro de alívio, ergueu o copo, provou o vinho e murmurou satisfeito:

– Este vinho é bom… é do Porto da Cruz?

Agora quem estava atónito era eu. Dois escândalos em menos de dois minutos eram demais para qualquer digestão. O vinho seco do Porto da Cruz que eu tinha servido no Decanter  era um Redoma de 1996 da casa Niepoort que andava a poupar para beber com a Cristina nalguma ocasião romântica.

É esta a paga por receber as pessoas com o melhor do pouco que temos? A Cristina mordia o lábio repetidamente para não se desmanchar a rir e adivinhando que a conversa podia descambar apressou-se a falar na sobremesa que era Leite-creme, a sua especialidade.

Ainda irritado mas disfarçadamente simpático acrescentei:

– O leite-creme da Cristina é divinal! … sabe mesmo a Boca Doce!…

Rimos todos e o resto do almoço decorreu sem mais incidentes.