A Profecia

Há mais de trinta minutos que se ouvia a chuva intensa entre os intervalos dos trovões. Cá dentro, no quentinho daquele mundo cor-de-rosa, começava a sentir alguma dificuldade em respirar. Entre a sonolência, a dor e a agonia ouvia as vozes dos que estavam lá fora a tentar salvar-me. Alguém dizia “sinto o coração…ele está vivo!…faça força agora!…”
Ouvi mais um trovão e sem esperar senti o meu corpo ser sugado por um canal estreito e quando sai senti o frio intenso do mês de fevereiro dando de caras com uma cara simpática que sorria para mim, “…é um menino!” Limparam-me a cabeça, tiraram-me o cordão umbilical do pescoço e levei logo com uma palmada no rabo, que me doeu e fez-me respirar fundo!
-Porra!… Posso voltar para dentro? – A parteira sorria enquanto me limpava e me colocava junto à minha mãe. Olhei para o lado e vi uma velha desdentada de cabelo grisalho que exclamou “Meu Deus está roxo e é tão feiinho!”. Estupefacto pensei “feiinho? Não tens espelho em casa velha ranhosa?”. Ainda a chorar, olhei para o outro lado e vi o meu pai a olhar para mim sorridente enquanto beijava a testa da minha mãe sussurrando-lhe “..tem uma pombinha grande como o pai”. Ri-me! Finalmente alguém com bom senso!
Apenas uns anos mais tarde, já em adulto, os meus pais contaram-me sobre o parto difícil e sobre uma tal Profecia.
Do que eles me contaram, sei que nasci numa noite de tempestade à 1H20 de manhã em casa com a ajuda de uma parteira. Contaram-me também que o meu nome era para ser apenas “Carlos”, mas o facto de ter nascido em agonia com o cordão umbilical enrolado no pescoço foram aconselhados, por uma das vizinhas presentes no parto, a acrescentar “José” ao nome.
Contaram-me também que, a tal velha ranhosa presente no parto, era uma vizinha conhecida por fazer feitiços com alecrim e curar dos maus-olhados toda a vizinhança. Na altura do parto, a velha disse que o facto de ter sobrevivido milagrosamente ao parto só podia ser filho do diabo. Disse ainda que iria ser rico e poderoso e que me iria casar com uma “Maria”, que seria a minha grande paixão da vida. E não contente com o que tinha dito, acrescentou que se isso não acontecesse, eu iria morrer num grande cataclismo simultaneamente com 400 pessoas. Na altura ri-me e perguntei-lhes porquê o número 400 e não mil ou oito bilhões, que é aproximadamente a população mundial. Se estou destinado a morrer como qualquer ser humano, que seja em grande!
Fiquei depois a saber que, na sequência do parto difícil, a minha mãe entrou em depressão pós-parto e que em consequência disso foi medicada com Prozac durante demasiado tempo, o que, segundo alguns médicos, foi o causador do parkinsonismo que a matou prematuramente.
Como não acredito em Profecias, apaixonei-me por uma Cristina e ri-me no dia, em que a apresentei aos meus pais, a minha mãe ter-lhe perguntado se ela tinha “Maria” no nome.
O tempo passou, casei, tive um filho, não sou rico, nem poderoso e por isso nunca mais me lembrei da profecia, até ao dia do meu aniversário, a 20 de fevereiro de 2010.
Por mero acaso, no dia da Aluvião, que matou muita gente na Madeira, não estava no Funchal mas lembro-me que no meio da desgraça perguntei a alguém quantos tinham morrido, para perceber se era aquele o dia fatídico da Profecia.
Continuo vivo e a não acreditar em Videntes ou Bruxas, mas, pelo sim pelo não, não viajo em aviões Boeing 747-400 porque são precisamente um dos modelos de aviões que transportam aproximadamente 400 passageiros.
O seguro morreu de velho!