A Cristina

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Estávamos em 1985 quando o telefone tocou! Onze da noite? Quem será o idiota que me quer chatear a estas horas? Atendi. Do outro lado uma voz com sotaque madeirense gritava “Neves? Olha a gente vai a Lisboa e queremos que vás com a gente ao Autódromo do Estoril ver umas corridas!”

Só podiam ser os “triloucos” de sempre. Ri-me e respondi-lhes que além de estar meio teso, precisava de estudar por isso não os podia acompanhar. Depois de algum silêncio, uma outra voz pegou no telefone e insistiu “Oh seu caralho é só no Domingo! É dia de ir à missa! Estudas depois!”. Depois de muita insistência e alguns palavrões, lá concordei em ir com eles ao Autódromo.

Logo pela manhã do domingo combinado apanharam-me no Areeiro e lá fomos na direção da Marginal. Paramos em Cascais para umas “bejecas” e para por a “bilhardice” em dia e depois fomos para o Autódromo. O Autódromo estava composto e não foi preciso esperar muito tempo para um deles aparecer com uma data de imperiais frescas. Não é difícil de perceber que juntar madeirenses com cervejas é logo motivo para festa e palhaçadas. O “escabeche” era de tal ordem que começamos a chamar a atenção de outros entusiastas presentes. Do outro lado da vedação uma miúda chamou-me a atenção porque olhava de revés e ria-se  com as barbaridades que dizíamos (só mais tarde é que percebi porque é que ela se ria com as nossas asneiradas).

O tempo ia passando e as “bejecas” começavam a fazer efeito em mim. No estado normal sou tímido por natureza mas com os vapores do álcool não demorei muito tempo em saltar a vedação e ir meter conversa com a tal miúda. Logo de início olhou-me com um ar queque e perguntou-me a rir “Vocês são madeirenses?” ao que respondi com um “nota-se assim tanto?” que lhe provocou um novo sorriso. O pior de tudo é que do outro lado começavam as bocas “Olha o Neves já engatou uma cubana!” o que me provocou algum constrangimento. Meio envergonhado pedi desculpas e lá no fim da conversa perguntei-lhe o nome e pedi-lhe o número de telefone (na altura não havia telemóveis, pelo que me deu o numero de casa).

No fim da corrida cada um foi para o seu lado, os “triloucos” voltaram para a Madeira mas o meu maior medo era esquecer o número de telefone da Cristina. Nunca fui bom a decorar números de telefones mas aquele ficou-me na memória! Seriam efeitos do álcool?

Logo na 2ª feira ao fim da tarde liguei-lhe. Atendeu-me o pai e meio assustado pedi para falar com a Cristina. Depois de alguns minutos ela veio ao telefone, identifiquei-me como o louco do Autódromo e perguntei-lhe se queria sair para tomar um café. Respondeu-me logo que não podia sair mas depois, perante o meu silêncio ensurdecedor, acrescentou que na quinta-feira ia estar num evento de Ginástica Rítmica no Pavilhão do Sporting porque fazia parte da equipa e que depois disso podíamos tomar um café.

Conversamos alguns minutos ao telefone, no fim pedi outra vez desculpa pela loucura do dia anterior e, depois desligar o telefone, pensei em voz alta “uma sportinguista! Saiu-me a sorte grande!

Contei os dias que faltavam e na quinta-feira apanhei o metro para Entre Campos. Chegado ao Pavilhão sentei-me na assistência. O evento não tinha grande interesse para mim mas vê-la à frente da equipa do Sporting de collants verdes aos saltos e a dançar foi simplesmente inesquecível.

No fim esperei na porta principal e ela veio ter comigo. Enquanto nos dirigíamos para o Café ela perguntou-me o que fazia um madeirense em Lisboa, ao que expliquei que estava a estudar engenharia no Técnico. Ela sorriu e respondeu “é que os meus pais são também madeirenses!”. Como? Nunca gostei de Estatística mas qual é a probabilidade de um madeirense se apaixonar por uma miúda continental com pais madeirenses? Um para um milhão?

Daí para a frente encontramo-nos quase todos os dias. Ela andava no Liceu do Lumiar e eu, quando não tinha aulas esperava-a à saída das aulas. Das outras vezes era ela que ia ter comigo à Av. Roma, onde passávamos as tardes a conversar num pequeno bar chamado “Midel” que ficava na Av. Sacadura Cabral.

O tempo passou e, entre conversas e cafés, acabamos por casar em 1990.

Hoje, passados 35 anos – e por incrível que pareça – contínuo a me lembrar do número de telefone que ela me deu quando nos conhecemos.